Casa Dos Sonhos

HOUSE OF DREAMS

2021

A gente se conheceu em 2002, em um bar, e ele era muito galanteador, um cara muito bacana. Me apaixonei, e fomos morar juntos na casa dele, na favela Pedreira Prado Lopes. Lá eu não tinha amigos, não conhecia ninguém. Ele me traía muito e, quando eu comecei a desconfiar e a cobrar isso dele, começou a me agredir. Me empurrava, dava tapas e chutes. Não teve um primeiro sinal, não teve uma ameaça; na primeira oportunidade, já me deu um tapa. Fora de casa, no caminho dentro do ônibus, eu começava a chorar porque estava voltando para lá.

Eu sentia angústia, mas eu gostava dele, ainda tinha um fio de esperança. Depois, ele começou a não permitir que eu saísse de casa. Ele nunca chegou a dizer “não, você não pode sair de casa”, começou comigo querendo sair e ele dizendo “fica aí, fica aí”

E de “fica aí” em “fica aí”, fui ficando acuada.

We met in 2002 in a bar; he was witty, a very nice guy. I fell in love, and we decided to live together in his house at Pedreira Prado Lopes slum. There I had no friends, neither knew anyone. He cheated a lot, and, when I started to doubt and to demand explanations, he started to beat me. He pushed, slapped and kicked. All came without a first warning, no threat; at the very first chance, he slapped. When outside, on my way, inside buses, I usually cried because I was returning to our place.

I used to feel myself anxious, but I loved him –there was a little hope. So, he began to forbid leaving home. He never said “no, you can’t go out”, it all began with me wanting to leave and he saying “stay, stay”

From “stay” to “stay”, I began to be trapped.

Uma vez, eu tentei sair de casa, e ele atirou em minha direção, mandando eu voltar. Depois disso, fiquei praticamente três meses sem colocar o pé fora de casa. Eu passava o dia inteiro deitada, não fazia nada, só chorava. Perdi 15 quilos em 15 dias. Eu fumava, bebia água e via o sol pela janela, só.

Me sentia sozinha, desamparada e com medo. Eu não tinha nenhuma perspectiva, só pensava “ele vai me matar”. Tentei algumas vezes voltar para a casa dos meus pais, mas ele sempre me buscava e ameaçava a minha família. Passei a viver em cativeiro dentro de casa, não podia sair pra nada, mas ele, sim, saía e também ficava com outras mulheres.

Once I tried to leave, then he shot near me as a way of saying “come back”. After, three months passed, and I nearly did not go outside. I spent time on bed, with nothing to do but to cry. I lost 33 lb. in 15 days. I used to smoke, drink water and see the sun through the window, nothing more.

I felt lonely, helpless and afraid. I could not see a future, “he’s going to kill me” it was my only thought. I tried to return my parent’s home for a couple of times, but he always retrieved me and threatened my family. I was captive at home without permission to go outside –for nothing–, but he… He used to go and stay with other women.

E, lá na favela, o famoso “ninguém mete a colher” era literal, ninguém metia a colher. Todo mundo escuta, mas ninguém intromete, ninguém faz nada. Inclusive a família dele, que morava praticamente junto, não fazia nada. 

Já os meus familiares não sabiam, achavam que eu estava lá por pura rebeldia. Eles souberam o que estava acontecendo somente no dia em que ele me jogou da escada; eu estava grávida de 6 meses e perdi o bebê.

Na época, não quis dar queixa, porque, no dia seguinte, eu sabia, ele ia me matar. Eu tinha 20 anos, e ainda não existia a Lei Maria da Penha. Não dei queixa porque tinha muito medo de morrer.

Mudei de cidade e só voltei dois anos depois, quando soube que ele tinha morrido. 

Acho que a pior dor do mundo é a dor do amor. Ela te invade, te domina e é difícil de vencer, é muito forte, toma conta da gente.

There, on the slum, “No one should poke their nose into a husband-and-wife fight” was real: nobody came. Everybody hears, no one interferes, everyone does nothing. Even his family, which lived nearly with us, did nothing. 

My relatives did not know what was going on, the believed I was there just by my “reckless temper”. They discovered that situation when he made me fall downstairs: I was pregnant and lose the baby (six months pregnancy). I chose not to show up at the police department, I was sure he would kill me if I tried it. When it happened, I was 20 years old, and there was no Law against domestic crimes towards women; so, I remained in silence with fear for my life. 

I moved alone to another city and stayed there until having heard he died, two years after.

I believe the worst pain in the world is the one from love. It invades you, subjugates you, and it is hard to defeat. Too strong, it controls us.

Hoje me sinto uma rainha. Minha casa hoje é o meu reinado.

Today I feel like a queen. My home today is my reign.

Projeto em desenvolvimento

Project under development

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